Combate Singular: Uma forma econômica de resolver disputas!

Para onde ides? Que discórdia é esta que surgiu?

Oh! Reprimi a fúria! Já o pacto está firmado, e as condições

Todas concertadas; só a mim é licito combater;

Deixai-me e não hajais temor!

Virgílio

Nas guerras não existe vitória que faça valer a pena o número incontável de vidas perdidas. Por mais que um dos lados tenha saído vitorioso, sua vitória foi às custas de sangue derramado nos campos de batalha. Todavia, alguns generais sábios da antiguidade optavam por um método que pouparia a vida dos soldados, era proposta então ao comandante inimigo a decisão da batalha por meio do Combate Singular!

O combate singular consistia em ser escolhido pelo comandante do exército o melhor dos guerreiros, que seria nominado como Campeão, e este lutaria em nome de todo o exército, contra o campeão eleito pelos inimigos,  o resultado da luta decidiria o lado vitorioso da batalha, poupando-se vidas, economizando-se tempo e suprimentos, bem como acalmando os ânimos das tropas, uma vez que devido a logística de batalha dos períodos antigos, onde constantemente os exércitos inimigos montavam acampamentos próximos um do outro, existia uma grande tensão da iminência de um ataque surpresa, além de possibilitar a chegada de reforços aos inimigos. Por isso era comum diante da inercia de ambos os lados de deflagrarem a batalha, ou de constantes empates, ser proposta a decisão por meio do Combate Singular.

Para quem assistiu ao filme Tróia de 2004, além de assistir uma overdose de licenças poéticas tentando buscar motivos para em todas as cenas exibir o físico do Brad Pitt interpretando Aquiles, também pode ser visto no início do filme um exemplo de combate singular, onde o rei de Micênas Agamenon propõe ao rei da Tessália um combate individual para por fim a sua disputa, onde os Tessalonicenses elegem o gigante Boagrius, ao passo que Micênas convoca Aquiles como campeão. E o resultado da luta é soberano para selar a submissão de Tessália ao reino Micênico.

Ao longo da história, vários combates individuais foram decisivos para eleger um lado vencedor nas guerras, e os relatos mais antigos desta pratica tem uma miscelânea de elementos míticos com históricos, onde é possível observar a prática na Ilíada de Homero, onde é demonstrada a habitualidade do método, podendo ser vista inicialmente no duelo entre Aquiles e Cicno de Colonas, posteriormente entre na mesma narrativa são descritos outros duelos individuais que decidiram o rumo das batalhas.

Não longe da Grécia, também banhada pelo mediterrâneo, na península itálica a imponente Roma concedia a honraria denominada de Spolia Opima, aos seus valentes generais que derrotassem o comandante do exército inimigo em combate singular. A Spolia Opima era realizada de forma ritualística, onde o vencedor da luta singular removia do inimigo derrotado suas armas e armaduras, e ofertava seu troféu de guerra em um templo dedicado ao deus Júpiter, tendo sido reconhecida historicamente por apenas três vezes. O primeiro relato de uma Spolia Opima, ocorreu na mítica fundação de Roma, quando em 752 a.C. Rômulo derrota o Rei de Caenina, Acro, e arranca desse seu espolio de guerra. O segundo incidente é atribuído a Aulo Cornélio Cosso, que em 437 a.C. derrotou em combate individual o rei da cidade etrusca de Veio decapitando-o e erguendo sua cabeça em uma lança. Por fim a terceira vez que a honraria foi concedida ocorreu entre 12 a 9 a.C. em decorrência da vitória de Nero Cláudio Druso, após ter vencidos vários chefes tribais germânicos em combate singular. Ocorreu também uma tentativa frustrada de receber tal honraria por parte de Marco Licíno Crasso, que teve sua reivindicação de Spolia Opima, negada por Augusto, em uma artimanha política, uma vez que com tal benesse o poder de Crasso se igualaria ao de Augusto, e o transformaria em uma ameaça, uma vez que até então Augusto ainda não era o imperador.

A pratica de poupar vidas de soldados e decidir o rumo das batalhas por meio dos combates individuais perdurou na idade média, onde é narrado nas Crônicas de Nestor, que em 1022, o príncipe Mistislau, filho de Vladmir I de Quieve, após uma série de impasses e disputas contra o príncipe Redédia dos circassiana. Foi acordado que a luta seria corpo a corpo desarmados, e Mistislau, antes de iniciar a batalhe fez uma oração Virgem Maria, onde prometeu que saindo vitorioso da batalha iria mandar erguer uma igreja em homenagem a sua protetora. Neste sentido, mesmo tendo solicitado providência divina, Mistislau estava em desvantagem e prestes a ser derrotado, e por isso resolveu quebrar as regras, fazendo uso de uma adaga que havia escondido em sua bota, ele esfaqueia Redédia, vencendo de forma desonrosa o combate. Todavia, Redédia antes de morrer aceita sua derrota e ordena a seus homens que rendam-se e não vinguem sua morte.

Um século mais tarde, 1127, após ter sido acusado pelo assassinato do conde de Flandres, Guy de Steenvoorde, negou as acusações, e em algo que possivelmente inspirou os julgamentos por combate vistos em Game of Thrones, um cavaleiro chamado Iron Herman desafiou o réu, e o resultado da luta seria o veredito da acusação. Tal luta ocorreu de forma muito inusitada, tendo iniciado com ambos os cavaleiros montados em seus cavalos, que no decorrer da luta foram se desvencilhando de suas armas e armaduras para partirem ao corpo à corpo. Durante o corpo à corpo ocorreu o desfecho possivelmente mais inusitado da história dos duelos, Iron Herman estava caído no chão com Guy lhe subjugando, quando Herman colocou a mão por dentro da cota de malha de Guy e arrancou seus testículos fora, decidindo assim o rumo da luta e o veredito em desfavor de Guy, que mesmo estando em dor e agonia do seu ferimento de batalha, foi sentenciado a morte por enforcamento.

Outro duelo russo memorável ocorreu em 1380, onde na Batalha de Kulikovo, foi eleito como campeão russo o monge ortodoxo Alexander Perevest, e do lado tártaro fora escolhido um guerreiro chamado Temir Murza, conhecido como Tchelubei. Ambos os oponentes vestiram suas armaduras e montaram em seus cavalos, e galopando velozmente um contra o outro o choque de suas lanças fez com que ambos morressem do primeiro golpe. Todavia, o resultado do duelo não foi considerado um empate, tendo sido dada a vitória para Perevest uma vez que mesmo estando sem vida, permaneceu montado em seu cavalo.

Mas nem todos os duelos foram decididos a pé ou a cavalo, também ocorreram em outras formas de montaria, como o duelo que solidificou o reinado de Naresuan, rei de Ayutthaya, no sudeste asiático, que em 1592 solidificou sua coroa vencendo um duelo montado em um elefante.

Os combates individuais, que anteriormente serviam principalmente para decidir-se o rumo das batalhas, também servia para defender a honra, tanto individual quanto a de terceiros, e com a queda do feudalismo ocorreu-se a romanização dos duelos onde um simples insulto poderia ser corrigido através de uma luta entre ofensor e ofendido, tendo se tornado comum não só na Europa, onde era comum os duelos nos países de cultura germânica que comumente os duelistas adquiriam uma cicatriz no rosto, como pode ser visto, tendo sido bem comum também no Japão onde o Bushido e seus princípios pautados na honra, era comum o duelo entre samurais, tendo até mesmo o mítico precursor da lenda do samurai, Miyamoto Musashi, criador do estilo Niten Ichi Ryu, em 1612 na ilha de Ganryujima, lutaria contra seu oponente Sasaki Kojirõ, e ciente de que o inimigo conhecia seu estilo de luta, decidiu surpreender, aparecendo no combate portando uma espada de madeira que havia entalhado enquanto se dirigia ao local, e desta forma desestabilizando emocionalmente o oponente que foi derrotado em poucos segundos de luta.

Neste sentido, a luta individual serviu por diversas vezes como uma solução econômica para as disputas militares, uma vez que eram poupadas incontáveis vidas que seriam perdidas nos campos de batalha, bem como passaram a serem utilizadas como ferramenta para a restauração da honra quando esta era posta em cheque. Todavia, está pratica entrou em desuso, onde o último duelo conhecido, ocorreu em Portugal em 1925, como os duelistas Antônio Beja da Silva e Antônio Centeno estando em questão o não cumprimento de uma promessa de acordo comercial. Para alguns é lamentável esta pratica ter sido extinta, pois seria por demasia interessante ver as disputas políticas atuais de figuras como Rodrigo Maia, João Dória e Sérgio Moro, ser resolvida em um duelo contra o imbatível Capitão e seus Generais.

Referência Bibliográfica:

– EVANS, Anthony A. GIBBONS, David. A Compacta História das Guerras. Universo dos Livros. 2017.

– FREEZE, Gregory L. História da Rússia. Edições 70. 2017.

– HOMERO. Ilíada. Mimética. 2019.

– MAXIMIANO, Cesar Campiani. Estratégia Militar e História. Editora CHO. 2015.

– PRESSFIELD, Steven. O Espirito do Guerreiro. Editora Contexto. 2020.

– RENATUS, Publius Flavius Vegetius. Sobre as Instituições Militares Romanas. Editora RCMP. 2015.

– VIRGÍLIO. Eneida. Editora 34. 2016.

Imagem:

– Peter Paul Rubens – Achilles slays Hector

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