História

2. Histórias do Brasil: Os Portugueses e o Mar

A história dos portugueses e o mar retrocede ao século XII, quando os lusitanos operavam rotas de comércio pelo mar com a Holanda, a França e a Inglaterra. O grande passo viria em 1249, quando o rei Dom Afonso III (1210-1279) expulsou os mouros da região sul de Portugal, unificando finalmente o país. Por volta desta época, a bússola já era utilizada em navios no Ocidente. Provavelmente, o instrumento chegou à Europa pelas mãos dos Árabes, que por sua vez a trouxeram da China. Todavia, o primeiro texto português a descrever o funcionamento e a aplicação da bússola – Tratado da agulha de marear, de João de Lisboasó seria publicado em 1514.

É possível que viagens de circunavegação da África tenham sido feitas por Menelau, Hanão, Eudoxo e Alexandre Magno, mas os registros específicos destes feitos se perderam na história. Até onde sabemos de fato, cabe aos portugueses o pioneirismo das grandes aventuras pelo Atlântico.

Em 1385, com o término da Revolução de Avis, Dom João I (1357-1433) ascendeu ao trono, dando um fim à dinastia de Borgonha e iniciando a dinastia de Avis. Durante todo este período, a estabilidade política permitiu a Portugal um salto geométrico em termos de desenvolvimento comercial e tecnológico.

As visitas dos portugueses às Ilhas Canárias já ocorriam desde 1341, mas em geral as embarcações consistiam de galés (movimentadas por remadores). Em 1415, os portugueses “colonizaram” Ceuta, mas o empreendimento foi um fiasco financeiro. Aprendida a lição, eles iniciaram a exploração do Atlântico, conquistando os Açores em 1432. Em 1434, o navegador Gil Eanes ultrapassou o Cabo Bojador, na costa do atual Marrocos. Em 1446, Nuno Tristão chegou ao Rio Salum, no Senegal, onde foi atacado com flechas envenenadas, tendo perdido a vida com quase todos os companheiros. Apenas sete se salvaram.

Apesar das desventuras na costa noroeste da África, os portugueses deram um jeito de estabelecer entrepostos comerciais e começaram a trazer trazer azeite, peles de lobo marinho, pimenta malagueta, marfim, ouro em pó e escravos (até 1448, mais de 1.000 escravos africanos já haviam desembarcado em Portugal).

Em 1453, com a queda de Constantinopla e o fechamento da rota para o Oriente que passava por ali, a descoberta de uma via marítima para as Índias se tornou urgente: mercadorias como como pimenta-do-reino, noz-moscada, perfumes e incensos, vindas das “Índias”, eram extremamente raras e garantiam excelentes margens de lucros.

A Renascença, iniciada na Europa no século XV, trouxe o avanço do mercantilismo, do individualismo e outras mudanças culturais radicais que não se desenrolaram exatamente da maneira mais tranquila do mundo, mas tiveram o mérito de produzir um surto de tecnologia, que incluiu a invenção (pelos portugueses) das velas quadradas para o vento em popa e das velas latinas para o barlavento. Equipada com esta inovação, a caravela, com seus portentosos 30 metros de comprimento, era capaz de cruzar os oceanos a cerca de 10 km/h.

Desde 1450, os portugueses já dominavam a técnica da navegação astronômica, um recurso que permitiu que Bartolomeu Dias descobrisse a ligação entre o Atlântico e o Índico em 1488. Os bons resultados dessas aventuras marítimas, a posição geográfica de Portugal e uma série de fatores coincidentes e decisões acertadas fizeram com que os portugueses aprimorassem seus dons marítimos, aproveitando a oportunidade apresentada pelo fechamento da rota que passava por Constantinopla.

A ideia de alcançar o Oriente por meio do Atlântico parece ter surgido por volta de 1475, quando as naus portuguesas já chegavam ao golfo da Guiné. Dom João II (1455-1495) abraçou a ideia de maneira extraordinariamente meticulosa (não à toa era chamado de o “Príncipe Perfeito”). Em 1487, duas expedições portuguesas foram despachadas para as Índias: uma por terra, comandada por Afonso de Paiva e Pero da Covilha, e outra pelo mar, comandada por Bartolomeu Dias. As duas obtiveram excelentes resultados.

No começo de 1488, Bartolomeu Dias contornou o Cabo das Tormentas (que a partir de então ficou conhecido como Cabo da Boa Esperança), mas cedeu à pressão da tripulação e não seguiu viagem adiante, retornando a partir do Cabo.

Em 1492, quando Colombo retornou com o relato de sua chegada à América, a corrida pela conquista do Atlântico entre espanhóis e portugueses ganhou ares de um campeonato de Fórmula 1. Dom Manuel I, primo e cunhado de D. João II – Príncipe-Perfeito, herdou o trono de Portugal em 1495 e vitaminou o projeto de seu antecessor.

Alguns anos antes, D. João II havia chamado um certo Estevão da Gama para comandar uma expedição à índia, mas ambos – o Perfeito e o da Gama – morreriam antes que os planos fossem colocados em prática. Manuel I, insatisfeito com a covardia de Bartolomeu, decidiu chamar o filho de Estevão para repetir a tentativa.

Sabemos muito pouco sobre os primeiros anos da carreira do filho de Estevão, Vasco da Gama (1469-1524). Ele certamente era um sujeito decidido, um marinheiro experiente e um sujeito duro, autoritário e “terrivelmente violento quando encolerizado”. Sabemos que ele tinha 28 anos de idade quando zarpou de Portugal rumo às Índias no final da tarde de 8 de julho de 1497.

Vasco recebeu 4 naus, duas delas especialmente construídas para a missão, sob a supervisão de Bartolomeu Dias e equipadas com canhões, cartas náuticas atualizadas e os mais modernos instrumentos de navegação da época. A tripulação total somava mais de 150 homens, incluindo marinheiros veteranos, soldados, carpinteiros, sacerdotes, intérpretes, e alguns degredados e condenados à morte (estes últimos eram sempre os enviados para as arriscadas missões em terra e eram premiados com o perdão quando obtinham sucesso).

Chegando ao Atlântico, Vasco tomou rota habitual ao longo da costa marroquina, passando pelas Canárias, até às ilhas de Cabo Verde, onde reabasteceu. Seguindo as orientações de Bartolomeu, na altura de Serra Leoa, se distanciou da costa e abriu para o sudoeste, para o meio do oceano, livrando-se das correntes que complicavam o avanço dos navios que insistiam em navegar mais próximos ao continente naquele trecho. Ao desenhar este arco, deve ter passado a poucas centenas de quilômetros do litoral do Brasil.

O contorno da África fez com que a tripulação ficasse 3 meses sem avistar terras – um recorde para a época. Em 8 de novembro de 1498, lançaram âncoras na Baía de Santa Helena, cerca de 125 milhas ao norte do Cabo da Boa Esperança. Limparam os navios, remendaram as velas, desembarcaram, recolheram lenha e fizeram negócios com alguns nativos da África do Sul e se desentenderam com eles. Na confusão, os africanos atacaram os portugueses com lanças e feriram vários – inclusive Vasco.

Foram necessários outros 6 meses de viagem – e algumas paradas para renovar o estoque de água, reparar mastros e cascos, comer laranjas, bombardear Moçambique, confundir Krishna com Cristo e sequestrar um piloto árabe no Quênia – até que a frota chegasse à Índia. Os portugueses aportaram em Calecute em 20 de maio de 1498, onde encontraram um Samorim (governador) duro nas negociações e mercados abarrotados de sedas e porcelanas finas; pérolas, safiras e rubis; ouro e prata, e grandes sacos cheios de cravinho, noz-moscada, canela, pimenta, gengibre e outras especiarias aromáticas. Multidões se aglomeraram até em cima dos telhados para ver os exóticos navegadores portugueses em seu encontro de 4 horas com o Samorim. Com muito jogo de cintura, Vasco conseguiu adquirir apenas uma pequena quantidade de especiarias. Pouco mais de 90 dias depois, iniciou sua viagem de regresso. Era 29 de agosto de 1498.

No caminho de volta, a expedição de Vasco foi abordada por um homem na Ilha de Angediva. Aparentando uns 50 anos de idade, alto e de barba branca, fluente em várias línguas, o homem subiu na nau de Vasco da Gama sem ser convidado, dizendo estar a serviço do sultão de Bijapur para ir até a Espanha. Vasco fingiu acreditar, mas enviou alguns marujos até Angediva para colher mais informações. Seus homens retornaram lhe contando que o barbudo era um espião que preparava um ataque surpresa contra a frota. Vasco decidiu chicoteá-lo e pingar azeite quente sobre sua pele até que contasse a verdade sobre suas intenções – o que ele fez depois de 12 dias de interrogatório sob tortura, confessando ser um comerciante judeu polaco em aventura pelo Oriente.

Satisfeito com o relato, Vasco da Gama manteve o estranho como prisioneiro e o levou de volta a Portugal, achando que seus conhecimentos sobre o Oriente poderiam ser úteis de alguma forma. De quebra, nomeou-o Gaspar da Gama. Durante os penosos 132 dias da viagem de volta, onde metade da tripulação pereceu de doenças (inclusive Paulo da Gama, irmão de Vasco), Gaspar e Vasco da Gama se tornaram grandes amigos.

No dia 10 de Julho de 1499, exatamente dois anos e dois dias após o início da expedição, a primeira nau ancorou no porto de Lisboa. Algumas semanas mais tarde, Vasco da Gama chegaria, aclamado como um herói nacional e celebrado por Manuel I como se fosse o pouso da Apolo 11 na Lua. Apenas ⅓ dos tripulantes de Vasco da Gama conseguiram retornar da viagem às Índias: dos 148 embarcados, 93 morreram de escorbuto e outras doenças. Ainda assim, a notícia da chegada de Vasco se espalhou pela Europa como um raio, e o comércio com as Índias movimentou os portos do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho, com caravanas que partiam aos montes de Alexandria e Veneza. Vasco da Gama voltaria à Índia outras duas vezes, em 1502 e a última em 1524, como vice-rei, morrendo no mesmo ano em Cochim. Até hoje é considerado um herói nacional em Portugal.

Quanto a Gaspar da Gama, este deveria figurar entre os personagens mais curiosos da história. Falava latim, árabe, italiano, castelhano, português e algumas línguas das Índias, se tornou frequentador assíduo da corte de Manuel I e viajou como intérprete em várias esquadras portugueses entre a Europa e a Índia. Em 1500, Manuel I o escalou para a viagem de Cabral que “descobriu” o Brasil. Provavelmente, Gaspar estava entre um dos primeiros botes a chegar os pés na praia e entre os primeiros que tentaram alguma comunicação com os tupiniquins. Tão misteriosamente de onde veio, Gaspar desapareceu por volta de 1510.

Enquanto Vasco da Gama estava em sua aventura às Índias, a Dom Manuel I enviou Duarte Pacheco em 1498 em uma expedição secreta que provavelmente constatou a existência das terras brasileiras. No final de 1499, os espanhóis Vicente Yañez Pinzón e Diego de Lepe também teriam navegado na costa brasileira.

A viagem de Vasco da Gama provou que Portugal dispunha de conhecimentos, navios e homens suficientes para estabelecer uma rota para as Índias, algo que foi confirmado pelo estabelecimento de um entreposto comercial bastante lucrativo na cidade de Goa. Mas isso significava também que todos os registros de navegação deveriam ter status de segredo de Estado, pois eram uma forma de garantia da supremacia de Portugal sobre seus rivais europeus.

As Viagens de Bartolomeu Dias, de Vasco da Gama e de tantos outros, aliadas às descobertas das Grandes Navegações, sustaram questionamentos cada vez mais intensos sobre antigos ensinamentos. A mentalidade crítica que brotou a partir do contatos com novas culturas romperam paradigmas ancestrais, abalando vários aspectos da ciência herdada e das convicções admitidas como “verdades absolutas” até então. Por exemplo: em Esmeraldo, Duarte Pacheco fez questão de “constatar” a supremacia dos conhecimentos adquiridos pela observação, pela prática e pela experiência sobre os conhecimentos dos autores clássicos – ainda que várias interpretações de Pacheco tenham se mostrado equívocos quase do mesmo naipe que aqueles que ele denunciou como inverdades.

Imagem de destaque: Dom Total


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